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O amor depois do nascimento: como o casal muda quando chega um filho

  • Foto do escritor: Psicóloga Maiumi Souza
    Psicóloga Maiumi Souza
  • 6 de out.
  • 5 min de leitura
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Ainda é amor, só que em outra forma

Quando nasce um filho, nascem também novas versões de quem amamos. A pessoa que você escolheu para dividir a vida deixa de ser apenas seu parceiro e passa a ser também o pai ou a mãe do seu filho. E é impossível que isso não mude tudo: os ritmos, os olhares, o desejo, as prioridades.

É comum que os casais se assustem com essa transformação. Durante muito tempo, o relacionamento se sustentava naquilo que um significava para o outro: companheiro, amante, cúmplice, apoio. Com a chegada de um bebê, esse eixo se desloca. Agora, o amor precisa incluir também o modo como o outro cuida, se ausenta, se envolve, se transforma.


De “nós dois” para “nós três” ou mais

A parentalidade é uma espécie de espelho ampliado do vínculo conjugal. Ela não cria problemas do nada, mas escancara dinâmicas que antes estavam silenciadas: quem assume o quê, quem se sobrecarrega, quem se afasta, quem se aproxima. A rotina muda, o corpo muda, o tempo muda, e o casal precisa se reinventar dentro disso.

Para muitos, é o momento em que o amor deixa de ser apenas escolha e passa a ser também trabalho. Cuidar de um bebê é exigir da relação o que ela tem de mais maduro: cooperação, escuta e corresponsabilidade.

O psicólogo John Gottman, referência mundial em estudos sobre casais, observou que cerca de dois terços dos casais relatam uma queda significativa na satisfação conjugal após o nascimento do primeiro filho. Segundo ele, isso não é sinal de fracasso, mas consequência da falta de preparo emocional e comunicacional para o impacto que a parentalidade traz.

Para Gottman, a chave está na parceria: manter conversas de apreciação, validar as emoções do outro e dividir o cuidado de forma justa. Cuidar de um bebê é exigir da relação o que ela tem de mais maduro: cooperação, escuta e corresponsabilidade.



O outro se torna também pai ou mãe, e isso nos confronta

Quando olhamos para o parceiro com um bebê no colo, vemos uma faceta que antes não existia. Às vezes, é encantadora. Outras vezes, é frustrante. Porque nem sempre o modo como o outro cuida combina com o que esperávamos.

Descobrimos novas formas de admiração e novos pontos de atrito. Podemos sentir ternura, ciúme, raiva, saudade, tudo junto. E está tudo bem. O vínculo conjugal precisa de tempo para se reorganizar diante dessa nova versão do outro.


Nos casamentos homoafetivos, também há transformações únicas

Em relações homoafetivas, essas mudanças ganham camadas ainda mais complexas e ricas.A chegada de um filho pode reforçar o sentimento de pertencimento, mas também trazer novas tensões externas e internas: o enfrentamento do preconceito, a busca por reconhecimento social, as dúvidas sobre papéis e expectativas.

Muitos casais relatam que precisam se reinventar por dentro e por fora, lidando com as demandas da parentalidade e com o olhar dos outros. O amor homoafetivo, quando se torna também amor parental, desafia padrões e inventa novas linguagens de cuidado.É um exercício constante de construir um modo próprio de maternar, paternar e amar.


O casal precisa nascer de novo, juntos

O pediatra e psicanalista Donald Winnicott dizia que ninguém se torna mãe sozinho.A mesma ideia vale para qualquer forma de parentalidade: ninguém se torna pai, mãe ou cuidador sozinho.É preciso que o casal se apoie, se escute e se reconheça nesse novo lugar.

Muitos relacionamentos entram em crise justamente porque continuam tentando funcionar como antes.Mas não há como voltar a ser o que eram.O nascimento de um filho é também o nascimento de uma nova relação, mais exigente, mas também mais profunda.

Reencontrar-se exige conversas honestas, pausas, terapia e ajuda externa quando necessário.É um tempo de reaprendizado: aprender a cuidar um do outro enquanto cuidam de alguém.


O amor que amadurece

Quando o casal se permite atravessar essa transição com consciência e cuidado, o amor muda de qualidade.Ele deixa de ser só sobre o que o outro significa pra mim e passa a incluir o que nós criamos juntos: um lar emocional, uma história, uma criança, um sentido.

O amor depois do nascimento é mais real.Menos romântico, talvez, mas mais verdadeiro.É o amor que aprende a coexistir com o cansaço, o caos e o cotidiano e, ainda assim, escolhe ficar.


Um convite para reencontrar o casal que ainda existe aí

Falar sobre as transformações do relacionamento é importante, mas vivê-las com presença é o que realmente transforma.Muitos casais percebem que, depois da chegada dos filhos, o espaço para o encontro se perde no meio das demandas do dia. Por isso, quero deixar um exercício simples, para que vocês possam se olhar de novo, não como pais, não como responsáveis, mas como pessoas que ainda se escolhem.


Exercício: Redescobrir quem somos depois do nascimento


Objetivo: Ajudar o casal a se reconectar emocionalmente, reconhecer as transformações que a parentalidade trouxe e restaurar a empatia no vínculo.

Tempo: cerca de 30 a 40 minutos.

Materiais: Dois papéis, duas canetas e um ambiente tranquilo, sem interrupções.

1. Silêncio para chegar (3 minutos)

Comecem respirando juntos por um minuto. Fechem os olhos e percebam o corpo: cansaço, tensão, emoção, presença.Cada um se pergunta em silêncio: “Como eu chego aqui hoje?”

Depois, abram os olhos e, sem pressa, contem ao outro em poucas palavras como estão agora. Não é para resolver nada, apenas chegar juntos no mesmo tempo.


2. Quem éramos, quem somos, quem estamos nos tornando (10 minutos)

Cada um escreve brevemente:

  • Como me sentia na relação antes da chegada do nosso filho.

  • O que mudou em mim desde então.

  • O que eu percebo que mudou em você.

  • O que ainda quero viver com você.

Depois, leiam um para o outro, sem interromper nem comentar.Apenas escutem.A intenção aqui não é discutir, é reconhecer.


3. Três gestos de amor possível (10 minutos)

Conversem sobre pequenas formas de cuidado que fariam diferença no cotidiano.Podem começar com frases simples, como:

  • “Eu me sentiria mais próxima se…”

  • “Eu adoraria se você pudesse…”

  • “Eu percebo que me fecho quando…”

Cada um escolhe três gestos concretos que o outro pode oferecer (e que são possíveis, realistas, gentis). Anotem.


4. O olhar que recomeça (5 minutos)

Sentem-se um de frente para o outro, sem falar, apenas se olhando por um minuto.Pode parecer desconfortável, mas fiquem.Respirem.Deixem o olhar se abrandar até que vejam ali, não o pai, não a mãe, mas a pessoa com quem tudo começou.

Depois, digam em voz alta uma frase simples:

  • “Eu te vejo.”

  • “Obrigada(o) por estar comigo.”

  • Ou qualquer frase que vier do coração.


5. Fechamento: o combinado do cuidado (5 minutos)

Escolham um gesto de presença que vão manter ao longo da semana.Pode ser tomar café juntos por 10 minutos, mandar uma mensagem carinhosa no meio do dia, caminhar com o bebê e conversar sobre algo que não seja rotina. A ideia é alimentar o vínculo, mesmo em meio ao caos.

Reflexão final

A intimidade não se perde com a chegada dos filhos. Ela muda de forma. Às vezes, precisa ser reconstruída com gestos pequenos, silenciosos e diários.Como escreve John Gottman, “a base de um relacionamento saudável é a amizade que sobrevive à transição da paixão para o companheirismo consciente”.


Referências:

Dunn, J. (2017). How Not to Hate Your Husband After Kids. New York: Little, Brown and Company.

Gottman, J., & Gottman, J. (2015). And Baby Makes Three: The Six-Step Plan for Preserving Marital Intimacy and Rekindling Romance After Baby Arrives. New York: Harmony Books.

Winnicott, D. W. (1953). The Child, the Family and the Outside World. London: Penguin Books.J

anus, L. (2016). The Enduring Effects of Prenatal Experience: Echoes from the Womb. London: Karnac Books.

Evertz, K., Linder, R., & Janus, L. (2022). Handbook of Prenatal and Perinatal Psychology. Giessen: Psychosozial-Verlag.






 
 
 

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