Você já sente antes de nascer: o que a psicologia perinatal nos ensina sobre o começo da vida
- Psicóloga Maiumi Souza
- 6 de out.
- 3 min de leitura

Antes de nascer, já há alguém sendo sentido
Você já parou pra pensar que o vínculo entre mãe e bebê começa muito antes do primeiro toque?Ainda no útero, existe uma troca silenciosa feita de sons, ritmos, afetos e hormônios.O bebê, mesmo minúsculo, já está ouvindo a vida. E aquilo que ele percebe vai, aos poucos, se tornando linguagem interna: sensação de segurança, calma ou medo.
Como descreve o psicólogo Ludwig Janus, a vida psíquica começa antes do parto. O corpo da mãe é o primeiro ambiente emocional do bebê, mas não é o único.Esse corpo também é sustentado (ou pressionado) por muitas outras forças: relações familiares, rede de apoio, condições sociais, saúde física, descanso e cuidado.Por isso, cuidar da gestante é sempre cuidar de um ecossistema inteiro.
O que o bebê sente e o que isso tem a ver com o ambiente que envolve a gestante
Pesquisas da psicologia pré e perinatal mostram que o bebê percebe alterações sutis no corpo e nas emoções da mãe. Quando há muito estresse ou tristeza, o organismo libera hormônios que atravessam a placenta. Isso não é culpa, é biologia relacional.
Mas a mãe não vive isolada. O que afeta a gestante costuma ter origem em dinâmicas familiares, sobrecargas, falta de suporte, desigualdades e expectativas sociais.Por isso, a pergunta certa não é “como uma mãe pode evitar o estresse?”, e sim “quem está cuidando de quem cuida?”.
A presença de parceiros, familiares, profissionais e políticas públicas sensíveis faz diferença concreta.Gestar com apoio é gestar com menos medo.
O nascimento também deixa marcas
O parto é o primeiro grande rito de passagem da vida.Dependendo de como acontece, com medo, pressa, dor, acolhimento ou respeito, pode se tornar uma experiência de confiança ou de ameaça.
Como explica Rupert Linder, o modo de nascer é também uma forma de comunicação. O bebê registra sensações corporais profundas, que depois podem se traduzir em padrões de resposta emocional: facilidade ou dificuldade em confiar, relaxar, se entregar.
Mesmo quando há intervenções médicas necessárias, o essencial é garantir vínculo, presença e toque.Um parto difícil pode ser reparado pela forma como o bebê é acolhido depois: pele a pele, voz, contato, olhar.
Memórias do corpo e da emoção
A mente do bebê ainda não lembra como a de um adulto, mas o corpo guarda impressões antigas. O psicólogo Klaus Evertz chama isso de memórias implícitas da experiência.Essas marcas não são lembranças visuais, mas padrões de sensação e emoção que se repetem inconscientemente mais tarde.
Experiências precoces de segurança e afeto moldam o cérebro em formação e criam caminhos de confiança. Mas, novamente, é importante lembrar: nenhuma mãe é capaz de garantir sozinha todas as condições ideais de segurança emocional. Essa é uma tarefa coletiva, feita de presença, cuidado compartilhado e responsabilidade social.
Quando há rupturas, o cuidado pode reparar
Separações precoces, partos traumáticos, adoecimento ou sofrimento emocional intenso podem deixar marcas no vínculo inicial. Mas o cérebro e o psiquismo são plásticos, podem se reorganizar com novas experiências de cuidado.
O apoio emocional à mãe, ao pai e à família, e o fortalecimento do vínculo após o nascimento são formas concretas de cura. Como mostra a epigenética, os genes não determinam sozinhos o destino. Eles conversam com o ambiente.E cada gesto de amor muda algo nessa conversa.
Prevenção é também amor coletivo
Preparar-se emocionalmente para o parto e o pós-parto é mais do que planejar o enxoval. É aprender a estar presente no próprio corpo, reconhecer limites e pedir ajuda. Mas é também garantir que essa mulher tenha rede, descanso, escuta e políticas públicas que a sustentem.
Como lembra Janus, o cuidado começa quando o bebê ainda é sonho.E esse cuidado precisa ser sonhado junto. Cuidar da mãe é cuidar do bebê, e cuidar da sociedade é cuidar das futuras gerações.
Para continuar refletindo
Se esse tema ressoou com você, talvez seja o momento de criar um espaço de escuta , para falar sobre emoções, medos e expectativas da gestação e do pós-parto. O autoconhecimento antes do nascimento é também uma forma de cuidar de quem está chegando.
Referências (estilo ABNT):
Evertz, K., Janus, L., & Linder, R. (Orgs.). Handbook of Prenatal and Perinatal Psychology. Giessen: Psychosozial-Verlag, 2022.
Janus, L. (2016). The Enduring Effects of Prenatal Experience: Echoes from the Womb. London: Karnac Books.Linder, R. (2019).
Perinatal Psychotherapy: Clinical Practice and Theory. Stuttgart: Klett-Cotta.



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