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Por que me sinto tão sensível depois da maternidade?

  • Foto do escritor: Psicóloga Maiumi Souza
    Psicóloga Maiumi Souza
  • 6 de out.
  • 3 min de leitura
mulher amamentando

Logo após o nascimento de um bebê, muitas mulheres descrevem um turbilhão de emoções: choro fácil, irritabilidade, cansaço, confusão, um amor intenso misturado a um medo quase inexplicável.Essa sensibilidade não é apenas emocional. Ela é fisiológica, psíquica e relacional. E, longe de ser um sinal de fraqueza, ela revela um corpo e uma mente

em profunda transformação.


O corpo em revolução

Durante a gestação e o puerpério, o corpo vive uma verdadeira reorganização neuroendócrina. Os níveis de estrogênio e progesterona, que se mantiveram elevados por meses, caem bruscamente após o parto, enquanto a ocitocina e a prolactina, hormônios envolvidos no vínculo e na amamentação, se tornam protagonistas.


Essa combinação cria um estado de hipersensibilidade emocional e sensorial que favorece a empatia e o cuidado, mas também torna a mulher mais vulnerável à sobrecarga. Estudos em neurociência mostram que o cérebro materno passa por um período de alta neuroplasticidade, com mudanças estruturais em áreas ligadas à empatia, ao reconhecimento emocional e à regulação afetiva. O cérebro literalmente se transforma para sustentar a experiência de cuidar (Hoekzema et al., 2017).


A identidade que se reconstrói

Além das mudanças hormonais e cerebrais, a maternidade representa uma crise de identidade no sentido existencial e simbólico do termo.Daniel Stern (1997) chamou esse processo de constelação da maternidade, um reordenamento psíquico em que a mulher reorganiza suas prioridades, relações e representações de si mesma.Ela precisa integrar o papel de mãe à sua identidade anterior sem se perder de si.

Esse movimento é acompanhado de ambivalência, confusão e culpa. Amor e exaustão convivem. Alegria e luto se misturam. E tudo isso é natural: o nascimento de uma mãe é tão complexo quanto o nascimento de um bebê.


As memórias que despertam

O encontro com o bebê também reativa memórias emocionais da própria infância.Winnicott (1956) observou que a mãe, ao se aproximar do nascimento, entra em um estado que chamou de preocupação materna primária, uma forma de regressão saudável que a torna mais sensível e responsiva às necessidades do bebê.Essa regressão, porém, também faz emergir conteúdos inconscientes, feridas antigas, experiências de cuidado (ou falta dele) e expectativas internalizadas.

Por isso, muitas mulheres sentem-se outras. Mais emocionadas, mais frágeis, mais intensas.Não é um descontrole, mas um contato profundo com partes de si que estavam adormecidas.


Quando a sensibilidade pede cuidado

Nem toda sensibilidade é patológica.Mas quando ela se transforma em sofrimento persistente, quando o cansaço vira desespero, o choro é constante ou há dificuldade de se conectar com o bebê, pode ser um sinal de transtorno mental perinatal, como a depressão ou a ansiedade pós-parto.

Essas condições são frequentes, tratáveis e não definem a mulher. O que elas pedem é cuidado, escuta, acolhimento e suporte emocional.


A importância da psicoterapia na maternidade

A psicoterapia é um espaço fundamental nesse processo de reconstrução.Ela permite que a mulher compreenda o que está sentindo, reconheça os limites entre o cansaço e o adoecimento e encontre formas mais saudáveis de se relacionar consigo mesma e com o bebê.

Mais do que tratar sintomas, a psicoterapia ajuda a sustentar o processo de transformação psíquica que acompanha a maternidade.É um espaço para pensar o que está mudando, elaborar perdas simbólicas, fortalecer o senso de identidade e reencontrar a si mesma em meio às exigências de cuidar.

A mulher que busca ajuda não é fraca, é consciente.Ela entende que cuidar de si é o primeiro passo para cuidar do outro.


Ser sensível é estar viva

A sensibilidade materna é uma força, mesmo quando dói.Ela é a porta de entrada para vínculos profundos, percepções sutis e uma nova forma de existir no mundo.A psicoterapia não elimina essa sensibilidade, mas ajuda a transformá-la em sabedoria emocional, integrando as partes que emergem nesse período de intensa reorganização interna.

No fundo, ser sensível é estar viva.E aberta para se tornar, a cada dia, uma nova versão de si mesma.



Referências

HOEKZEMA, E. et al. Pregnancy leads to long-lasting changes in human brain structure. Nature Neuroscience, v. 20, p. 287–296, 2017.STERN, D. N. The Motherhood Constellation: A Unified View of Parent-Infant Psychotherapy. New York: Basic Books, 1997.WINNICOTT, D. W. Primary Maternal Preoccupation. In: Collected Papers: Through Paediatrics to Psychoanalysis. London: Tavistock, 1956.KIM, P.; LECKMAN, J. F. Maternal brain plasticity: Adaptation to parenting. New Directions for Child and Adolescent Development, v. 2010, n. 128, p. 47–58, 2010.



Sobre a autora:


Maiumi Souza é psicóloga (CRP 03/14948), especialista em Gestalt-Terapia, Desenvolvimento Infantil e Saúde Mental Perinatal. Atua no cuidado emocional de gestantes, puérperas, mães e famílias, com foco em vínculos, autoconhecimento e saúde mental materna. Escreve sobre maternidade real, corpo, tempo e transformação psíquica com uma escuta sensível, ética e afetiva.

 
 
 

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