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Por que me sinto tão sensível depois da maternidade?

  • Foto do escritor: Psicóloga Maiumi Souza
    Psicóloga Maiumi Souza
  • 6 de out.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 27 de nov.

mulher amamentando

O período pós-parto não é um turbilhão apenas emocional ou apenas físico. É um campo inteiro de reorganização: corporal, afetiva, relacional, simbólica, acontecendo ao mesmo tempo. O que tantas mulheres nomeiam como choro fácil, irritabilidade, exaustão, confusão ou aquele amor que assusta de tão grande não é sinal de fragilidade. É o corpo-sujeito em estado de transição profunda. Sem separações artificiais entre hormônio e afeto, entre história e fisiologia. Tudo se mistura, porque tudo sempre esteve misturado.


O corpo em revolução

Na gestação e no puerpério, há uma verdadeira reconfiguração neuroendócrina que afeta percepção, sensibilidade e presença. A queda brusca de estrogênio e progesterona, o protagonismo da ocitocina e da prolactina, mas também a forma como essas mudanças conversam com narrativas internas, com a história do corpo, com imagens antigas de cuidado. A neuroplasticidade materna descrita por Hoekzema (2017) não fala apenas de “cérebro”: fala de uma pessoa que se refaz de dentro para fora.


A identidade que se reconstrói

E enquanto o corpo trabalha nessa nova afinação, algo na identidade se desloca. A maternidade convoca perguntas existenciais, não só papéis sociais. Stern chamou esse movimento de constelação da maternidade: não uma nova função, mas um rearranjo inteiro de prioridades, histórias, fantasias, medos e desejos. É um reordenamento que não acontece sem ambivalência. Alegria e luto caminham juntas. A mulher que existia antes continua ali, mas precisa abrir espaço para a que está chegando.


As memórias que despertam

Esse encontro com o bebê, tão íntimo e tão exigente, desperta memórias que não passam pela linguagem. Winnicott descreveu a preocupação materna primária como um estado de abertura extrema, quase uma regressão criativa, que torna possível perceber o bebê em sua intensidade. Mas essa abertura também aproxima a mulher das suas próprias feridas precoces, das histórias de amor e desamparo que o corpo guardou. Não é descontrole. É memória emocional se movimentando.


Quando a sensibilidade pede cuidado

Há sensibilidade que apenas indica transição. E há sensibilidade que pede cuidado. Quando o sofrimento se prolonga, quando a ligação com o bebê se torna difícil, quando o cansaço vira desespero ou a ansiedade ocupa tudo, podemos estar diante de um transtorno mental perinatal. Não como falha individual, e sim como consequência de um período em que tudo, absolutamente tudo, está mais exposto.


A importância da psicoterapia na maternidade

A psicoterapia, nesse contexto, não é sobre corrigir sintomas, mas sustentar processos. É um espaço onde a mulher pode olhar para suas próprias camadas internas sem ter que performar força ou leveza. Um lugar onde é possível diferenciar o que é da transição e o que é do adoecimento, elaborar perdas, reorganizar o campo interno e recuperar fronteiras afetivas. Procurar ajuda não é sinal de fraqueza: é um gesto de consciência e preservação.


Ser sensível é estar viva

A sensibilidade do puerpério não precisa ser domesticada. Ela precisa ser reconhecida. Porque ela é, muitas vezes, a via de acesso mais honesta para esse novo modo de existir. A psicoterapia ajuda a transformar essa sensibilidade em sabedoria somática, em percepção afinada, em presença. Um processo de integrar partes que despertam todas ao mesmo tempo.

No fundo, o pós-parto é um convite radical à vida. E viver, nesse momento, é permitir-se ser tocada, transformada e, aos poucos, reencontrar um sentido próprio para seguir adiante.



Referências

HOEKZEMA, E. et al. Pregnancy leads to long-lasting changes in human brain structure. Nature Neuroscience, v. 20, p. 287–296, 2017.STERN, D. N. The Motherhood Constellation: A Unified View of Parent-Infant Psychotherapy. New York: Basic Books, 1997.WINNICOTT, D. W. Primary Maternal Preoccupation. In: Collected Papers: Through Paediatrics to Psychoanalysis. London: Tavistock, 1956.KIM, P.; LECKMAN, J. F. Maternal brain plasticity: Adaptation to parenting. New Directions for Child and Adolescent Development, v. 2010, n. 128, p. 47–58, 2010.



Sobre a autora:


Maiumi Souza é psicóloga (CRP 03/14948), especialista em Gestalt-Terapia, Desenvolvimento Infantil e Saúde Mental Perinatal. Atua no cuidado emocional de gestantes, puérperas, mães e famílias, com foco em vínculos, autoconhecimento e saúde mental materna. Escreve sobre maternidade real, corpo, tempo e transformação psíquica com uma escuta sensível, ética e afetiva.






 
 
 

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